Estrada de Ferro Madeira-Mamoré

 

A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) foi construída, em três fases, de 1871 a 1912, ligando Porto Velho a Guajará-Mirim, com 366 km de extensão.

O vale do alto do Rio Madeira está mais próximo do Oceano Pacífico do que do Atlântico, mas, do lado ocidental, esbarra-se nos Andes. Adotava-se o transporte fluvial para uma saída pelo Atlântico. Entretanto, de acordo com Accioli (Corografia Paraense..., 1833), as viagens regulares do Pará à Capital de Mato Grosso, através do Madeira, duravam de oito a dez meses, com extraordinária despesa. O transporte era feito por canoas e um dos grandes problemas eram as corredeiras e as várias cachoeiras, que desciam a Serra dos Parecis.

Mesmo assim, em 1846, o engenheiro boliviano José Augustin Palácios observou que o transporte dos produtos bolivianos, até o Atlântico, poderia ser feito através dos rios Mamoré e Madeira. Cabe lembrar, que parte da Bolívia fica "em cima" dos Andes e outra parte, na Amazônia. A partir dos anos 1850, outros exploradores percorreram a região para confirmar a ideia, incluindo Lardner Gibbon, tenente da Marinha dos EUA, que recomendou um caminho de mulas, entre Santo Antônio e Guajará-Mirim, à moda dos tropeiros. A crescente demanda por borracha envolvia interesses internacionais.

A primeira estrada ferro, no mundo, foi inaugurada na Inglaterra, em 1829, mas somente nos anos 1850, a tecnologia estava adequada para grandes desafios. No Brasil, a primeira estrada de ferro foi inaugurada, em 1854, no Rio de Janeiro. Muitas outras se seguiram nos anos posteriores. Nessa época, o Brasil estava em seu primeiro Ciclo da Borracha, junto com a Bolívia e outros países da América do Sul.

Em 1861, apareceu a primeira recomendação conhecida para a construção de uma ferrovia pelas margens dos rios Mamoré e Madeira. Segundo Gerodetti & Cornejo (As Ferrovias do Brasil..., 2005), ela foi apresentada pelo coronel boliviano Quentin Quevedo e pelo engenheiro brasileiro João Martins da Silva Coutinho, após uma expedição conjunta.

Em 1864, o Brasil entrou em guerra contra o Paraguay (até 1870), vizinho da Bolívia. Nesse contexto foi celebrado o Tratado de Ayacucho, em março de 1867, que reconhecia a região do atual Acre como boliviana e permitia o transporte boliviano através dos vales dos rios Mamoré e Madeira, como uma saída para o Atlântico. O Art. 9º desse Tratado abriu a possibilidade de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, para uso dos dois países, em texto:

"O Brasil compromette-se desde já a conceder á Bolivia, (...), o uso de qualquer estrada, que venha a abrir, desde a primeira cachoeira, na margem direita do rio Mamoré, até a de Santo Antonio, no rio Madeira, a fim de que possão os cidadãos da Republica [Bolívia] aproveitar para o transporte de pessoas e mercadorias, os meios que offerecer a navegação brasileira, abaixo da referida cachoeira de Santo Antonio."

O Tratado de Ayacucho foi promulgado, no Brasil, em 28 de novembro de 1868, e aprovado pelo Congresso da Bolívia, nesse mesmo ano.

Em junho de 1867, o governo brasileiro contratou os engenheiros alemães Joseph e Franz Keller (pai e filho), para apresentarem alternativas de transporte nos vales dos rios Mamoré e Madeira. Em 29 de novembro, chegaram no Pará e passaram o ano de 1868 na Amazônia. Retornaram ao Rio de Janeiro no início do ano seguinte. Eles fizeram um levantamento topográfico e hidrográfico da região. Em um trabalho incompleto, três alternativas foram apresentadas: a construção de planos inclinados para navios (a mais econômica), a canalização dos rios com eclusas e a construção de uma ferrovia, considerada a mais cara alternativa.

Em julho de 1867, a Bolívia enviou o Coronel Quentín Quevedo, como Ministro Plenipotenciário, em missões diplomáticas. Após passar pelo México, seguiu para negociar o empreendimento do transporte fluvial da Bolívia até o Atlântico, em Nova York, onde se encontrou com o engenheiro estadunidense Coronel George Earl Church, conhecido dos mexicanos como correspondente de guerra do New York Herald. Segundo Jean-Baptiste Serier (Les Barons du Caoutchouc, 2000), os bolivianos buscavam a alternativa da construção de um canal e navegação com barcos a vapor, mas o Coronel Church queria construir uma estrada de ferro para vencer o trecho encachoeirado Madeira-Mamoré, como já havia feito nos EUA e na Argentina.

O Coronel Church viajou até La Paz, onde conseguiu a concessão para a navegação de rios na Bolívia, em 27 de agosto de 1868, e o compromisso de um empréstimo para fundar uma empresa. Quentín Quevedo foi encarregado de negociar com o governo brasileiro a concessão para o empreendimento, na parte do Brasil, mas não teve sucesso. O Coronel Church, então, viajou ao Rio de Janeiro, onde explicou seu empreendimento ao baiano Barão de Cotegipe, Ministro das Relações Exteriores. O Barão explicou-lhe que a melhor alternativa seria uma nova concessão pessoal, pois uma negociação com a Bolívia poderia afetar a harmonia entre os dois países. Em 20 de abril de 1870, D. Pedro II entregou-lhe a concessão da Ferrovia, por 50 anos, através do Decreto N. 4509.

Em junho do mesmo ano, Church retornou a Nova York e organizou as bases da National Bolivian Navigation Company, para a qual conseguiu uma rápida aprovação do Congresso dos Estados Unidos, de acordo com o "Bill" (lei) de 25 de junho de 1870. Assim, a incorporação da empresa ganhou status de lei federal. O Coronel Church observou posteriormente que foi a primeira vez que o Congresso Nacional dos EUA dava tal privilégio a uma empresa privada. A National Bolivian Navigation Company foi fundada em 30 de junho seguinte, em Nova York.

Ainda em 1870, Church foi para a Inglaterra levantar fundos para sua empresa. Lá, foi informado que a Bolívia sofria um ostracismo diplomático e que negócios anteriores haviam arruinado o crédito boliviano. Após muitas tentativas, Church conseguiu assinar contratos com a inglesa Public Works Construction Company (que construiria a ferrovia) e Messrs. Emile Erlanger and Co., em 18 de maio de 1871.

A Madeira and Mamoré Railway Company, Limited foi incorporada, em 1º de março de 1871, como uma subsidiária da National Bolivian Navigation Company. O empreendimento total seria subsidiado por um empréstimo do Governo boliviano, autorizado pelo Congresso da Bolívia e aprovado pelo Presidente da República, em 28 de agosto de 1871. Compreendia uma via de transporte da Bolívia até o Atlântico, com navios a vapor e uma ferrovia.

Church retornou à Bolívia, em julho de 1871. Seguiu com uma expedição pelo Rio Beni até Santo Antônio, no Brasil, onde alguns homens o esperavam. Em 1º de novembro de 1871, estabeleceram o local para o terminal da Ferrovia e limparam a área para o canteiro de obras. Em Santo Antônio existia um destacamento do Exército brasileiro, que lá estavam desde 1866, comandado pelo Capitão Francisco Guardos, que foram convidados por Church para a cerimônia do início da construção da Ferrovia, eram cerca de 150 homens, ao todo.

Em 14 de dezembro de 1871, Church estava de volta a Londres. O contrato com a Public Works Construction Company foi assinado para construir a Ferrovia. Em 26 de julho de 1872, Church retornou a La Paz. Em 28 de agosto de 1872, a Madeira and Mamoré Railway Company foi autorizada a funcionar no Brasil, pelo Decreto N. 5073.

Os engenheiros da Public Works chegaram em Santo Antônio, em 6 de julho de 1872. Fizeram levantamentos na região, por alguns meses, e concluíram que a construção da Ferrovia seria impraticável. Houve suspeitas de que as plantas elaboradas pela Public Works foram forjadas. Church relatou que as medições feitas por aquela empresa eram grosseiramente incorretas. Seguiu-se uma batalha judicial nas cortes inglesas, que durou cerca de cinco anos e terminou com a House of Lords declarando o empreendimento impraticável. O problema provavelmente teve relação com o pânico financeiro de setembro de 1873, que abalou as economias dos Estados Unidos e da Europa e que tinha raízes no financiamento de ferrovias.

A concessão boliviana, dada ao Coronel Church, foi revogada. Mas o Brasil queria a Ferrovia. Em 18 de outubro de 1876, a Princesa Isabel assinou o Decreto N. 6357, prorrogando o prazo para a conclusão das obras até 1884.

Em 1877, o Coronel Church publicou o Relatório The route to Bolivia via the river Amazon : a report to the governments of Bolivia and Brazil. No mesmo ano, ele contratou a empresa estadunidense P&T Collins, que se instalou, em Santo Antônio, em março do ano seguinte. Centenas de pessoas foram empregadas, incluindo as que chegaram em dois navios dos EUA, bolivianos e brasileiros, muitos índios. Em 4 de julho de 1878, um trecho de poucos quilômetros de ferrovia foi inaugurado, com uma locomotiva. Mata fechada, insetos, doenças, inundações, tudo conspirou contra a execução das obras. Muitos trabalhadores morreram. Em agosto de 1879, a construção foi abandonada, messes depois de ter estourado a Guerra do Pacífico.

A situação na Bolívia não estava boa. Em 1871, o Presidente Melgarejo foi derrubado e assassinado. Quentín Quevedo refugiou-se no Chile, participando de um movimento para derrubar o novo ditador boliviano Agustín Morales. Os anos seguintes foram de conflito com Peru e Chile pelo controle de parte da costa do Pacífico e suas ricas minas de nitrato. Em fevereiro de 1879, estourou a Guerra do Pacífico, que durou até outubro de 1883, com a Bolívia perdendo o acesso ao Porto de Cobija (Antofagasta). Os EUA, com seus negócios na região, tentaram interceder em favor de Peru e Bolívia, mas o Chile venceu a todos. A Bolívia ficou isolada e a ferrovia na fronteira com o Brasil tornou-se ainda mais importante.

Em 10 de setembro de 1881, a concessão brasileira dada a Church foi declarada caduca, pelo Decreto N. 8255. Em 30 de outubro de 1882, foi aprovado recursos para organização dos estudos para a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré. Uma comissão, chefiada pelo engenheiro Carlos Alberto Morsing, chegou na Província do Amazonas, em janeiro de 1883.

Os trabalhos da Comissão Morsing foram criticados. Uma segunda comissão foi enviada e chefiada pelo engenheiro Julio Pinkas, que fez parte e foi crítico da primeira expedição. Chegaram em Manaus, em abril de 1884 e os trabalhos foram encerrados no mesmo ano. Segundo Pinkas (Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, 1887), os navios a vapor subiam o Rio Madeira até a Cachoeira de Santo Antônio (no atual município de Porto Velho). A partir desse ponto, embarcava-se em um igarité ou batelão. A velocidade média de viagem, rio acima, variava de 2 a 6 km/h. Levava-se de 40 a 60 dias para se percorrer o trecho encachoeirado de 424 km, de Santo Antônio a Guajará-Mirim. Os naufrágios não eram poucos. A subida era mais fatigante e a descida, mais perigosa. Além disso, existiam os insetos, a malária, a temperatura alta e as escaramuças dos índios.

Os resultados dessas comissões, em que vários homens morreram, foram amplamente discutidos até o final de 1885. Houve acusações entre seus membros e não se chegou a um consenso sobre erros nos levantamentos.

Em 1903, a construção da Ferrovia entrou como compromisso brasileiro, no Tratado de Petrópolis, assinado com a Bolívia, em que o Brasil comprou o Acre. O Decreto legislativo Nº 1.180, de 25 de fevereiro de 1904, autorizou a abertura de créditos para a construção da Ferrovia. Em 12 de maio de 1905, o Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas publicou o edital de concorrência para a concessão e construção da Ferrovia, vencida pelo engenheiro Joaquim Catramby. O contrato de construção foi autorizado pelo Decreto Nº 6.103, de 7 de agosto de 1906.

Essa concessão foi adquirida pelo engenheiro estadunidense Percival Farquhar, que fundou a Brazil Railway Company, em novembro de 1906. Farquhar já havia conseguido a concessão para as obras de melhoramentos do Porto de Belém, pelo Decreto Nº 5.978, de 18 de abril de 1906, para isso, fundou a Companhia Port of Para, com sede no Estado do Maine - EUA. Em agosto de 1907, Farquhar fundou a Madeira-Mamoré Railway Co., também no Estado do Maine, controlada pela Brazil Railway. Ao que parece, não tinha relação com a primeira Madeira and Mamoré Railway Company, Limited, incorporada, em 1871.

Em 28 de novembro de 1907, a Madeira-Mamoré Railway Co. foi autorizada a funcionar no Brasil, pelo Decreto N. 6.755. Em 30 de janeiro de 1908, o contrato com Joaquim Catramby, de construção e concessão da Ferrovia, foi oficialmente transferido para a Madeira-Mamoré Railway Co., pelo Decreto Nº 6.838.

Para construir a Ferrovia foi contratada a construtora estadunidense May, Jekyll & Randolph, que instalou um canteiro de obras, em 1907, em Santo Antônio, mas decidiu mudar-se para um local 7 km rio abaixo, por ser um melhor porto e que já tinha sido usado pelo Exército, décadas antes. Nasceu, assim, Porto Velho. Segundo relatórios do Ministerio da Viação e Obras Publicas, a construção da Estrada de Ferro começou em agosto de 1908.

Nessa mesma época, em que a Ferrovia estava em construção, uma linha telegráfica de Cuiabá até Guajará-Mirim estava sendo estendida.

Estima-se que mais de 20 mil trabalhadores estiveram envolvidos na construção da Ferrovia. O primeiro trecho, entre Santo Antônio e Jaci-Paraná, com 90 km, foi inaugurado em 31 de maio de 1910. A EFMM foi concluída em 30 de abril de 1912, com 366 km de extensão total, e inaugurada em 1º de agosto do mesmo ano. Apesar da construção do Hospital da Candelária, em Porto Velho, com vários médicos, foram registradas 1.552 mortes, durante a construção da Ferrovia, a maioria por malária.

A EFMM nunca deu lucro. A Bolívia conseguiu duas saídas para o Oceano Pacífico, através das ferrovias: Antofagasta-Uyuni, concluída em 1889, e La Paz-Arica, concluída em 1913. Uma melhor saída para o Atlântico foi possível, a partir de 1914, através do Canal do Panamá.

Em 1931, o Governo Federal assumiu o controle da EFMM. Em 1961, a BR-364, ligou Porto Velho a São Paulo. A EFMM foi finalmente desativada em 1972.

Em 1981, 7 km da Ferrovia foi restaurada numa tentativa de preservar a memória do empreendimento e incentivar o turismo. Nos anos seguintes, a Ferrovia continuou a ser restaurada. Em 2006 a EFMM foi tombada pelo Iphan. As estações ferroviárias de Porto Velho e Guajará-Mirim foram transformadas em museus.

Mais: História de Rondônia

 

 

Estrada de Ferro Madeira-Mamoré

 

 

Estação de Porto Velho da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1913.

Embaixo, uma viagem de inspeção durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

 

Forte Principe Beira

 

Canteiro de obras de Porto Velho, em 1909, margem direita do Rio Madeira, durante a construção da Ferrovia.

 

Estação Porto Velho

 

Mapa da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1937, parte do Mappa da Viação Ferrea dos E.U. do Brasil, Guia Levi.

 

Fragmento de um título (bond certificate) datado de outubro de 1910, emitido pelo Bank of Scotland, da Madeira-Mamoré Railway Company, indicando que a empresa funcionava sob as leis do Estado do Maine. Esse título era garantido pelo Porto do Pará (Port of Para), uma corporação do Maine, fundada pelo engenheiro Percival Farquhar.

 

Rondônia

 

Mapa 1877

 

Ponte

 

George Earl Church

 

Ponte da EFMM em Jaci-Paraná.

 

George Earl Church (1835-1910), o pioneiro empreendedor da EFMM, nasceu em Massachusetts e estudou engenharia civil. Lutou pela União na Guerra Civil dos EUA, com a patente de capitão da Infantaria, depois promovido a coronel. Foi correspondente de guerra do New York Herald, no México. Trabalhou em vários projetos de engenharia nos EUA, Canadá, Costa Rica e América do Sul. Foi membro de algumas instituições científicas e passou parte de seus últimos anos na Inglaterra, onde escreveu o livro Aborigines of South America.

 

Pintura de Ethel Morlock, 1885

 

Mapa

 

Madeira Mamore Railway

 

Cachoeira de Teotônio, no Rio Madeira, em ilustração de 1868, publicada no livro de Franz Keller-Leuzinger, Vom Amazonas und Madeira, 1874. Os Keller foram contratados pelo governo brasileiro para apresentarem alternativas de transporte através dos vales dos rios Mamoré e Madeira.

 

Antiga Estação da EFMM, em Guajará-Mirim, atual Museu Histórico Municipal.

 

Cachoeira

 

Estação Guajara Mirim

 

Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Porto Velho.

 

Madeira Mamore

 

 

Museu EFMM

 

 

 

 

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Estrada de Ferro Madeira-Mamoré

 

Rondonia

 

 

 

 

Por Jonildo Bacelar

 

 

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